Sunday, December 06, 2009

Sri Lanka

Ella



Umas horas valentes de comboio.
Entrar... e ver quem empurra com mais força e quem corre mais depressa para um lugar a janela. A idade não interessa desde que fiquei entalada entre uma senhora de saree e uma muçulmana vestida de preto dos pés a cabeça... elas ganharam... só porque tive medo de lhes calcar as roupas.
E é lento... o comboio... nada de especial, bancos e janelas... gente que vai para algum lado. Três senhoras de idade respeitável que cospem o betel em cada estação. os campos de arroz que são em muito ultrapassados pelas plantações de chá. eu debruço-me e divido a janela com uma miúda de 6 anos e trancas cor de rosa.
são intermináveis, as plantações, e aqui ou ali distinguem-se pontos coloridos... as apanhadoras do chá com enormes cestos de folhas. e esta imagem, a do chá e dos pontos coloridos... dura mais de 5 horas.
Chego a Ella, uma terra de 300m de rua perdida algures nas montanhas centrais. Há uma réstia de luz que sobrevive a tempestade, alaranjada e na direcção oposta 2 monges surgem da escuridão das nuvens de vestes demasiado laranjas... quase como novas.
E passa um cão... e não acontece mais nada.
São montanhas imensas, lindas. Sinto-me imensamente pequena e que o Mundo e imensamente grande. Atrevo-me a subi-la como não poderia ser de outra forma... mas ingenuamente de chinelos. Sobrevivi coberta de lama, sem perceber bem o que me faz subir... Cheguei a gruta onde o Rei de Lanka prendeu Sita!
Tudo e longe de tudo e para isso apareceu-me o Dharma e o seu tuc tuc que me leva a todo o lado. Chama-me "Joana Madame" e fez-me esperar mais do que muitos minutos para deixar que uma minhoca gigantesca atravessasse a rua.
A Mali deita-se aos meus pés e eu absorvo mais montanhas de uma das varandas mais bonitas onde alguma vez estive.
Não acontece muita coisa por aqui. E quase um fim do Mundo

Kataragama



Tudo são terras de estrada depois de Ella. Deixaram de existir plantações de chá e reinam os campos de arroz e os pássaros brancos de pernas longas que voam com elas esticadinhas para trás.

A beira da estrada, num lamaçal imenso, param carrinhas e carripanas cheias de cinaleses vindos de todos os cantos, todos de branco.
Mesmo em frente, as barracas que vendem os cestos de fruta para o Puja. São varias filas de barracas destas, misturadas com as que vendem brinquedos de plástico do século passado, tudo com uma musica Kusturika-like que vem das árvores mais próximas e que nos transporta para um cenário de um Senhor de Matosinhos de há muitos, muitos anos… mesmo antes de sermos nascidos.

Atravesso a ponte e não lá muito em baixo, no Menik Ganga, lavam-se os peregrinos... um rio castanho e inerte... demasiado inerte.
E um jardim repleto de gente pobre, extremamente pobre, crianças que me agarram e pedintes e mais pedintes, velhos que se agarram a um pau para dar dois passos e deficientes e crianças por ai. Fecho os olhos e aperto-os com força.

É domingo. As pessoas misturam-se com cabras e calor e vacas... e eu... mas o espaço e amplo. E um quadrado que rodeia uma árvore Budhi, uma Ficus religiosa, onde Budha sentiu a iluminação.

Pelo caminho compro flores, incenso e velas para o templo de Buda. Um Dagoba branco enorme com imagens neo-kitch de Buda. Não lhe peço coisas difíceis pois estou rodeada de centenas de mais necessitados do que eu...

Ainda falta uma hora para o Puja e as famílias andam por ai. Os ricos de folhos e lantejoulas... os mais pobres com o que tem. Todos com o seu cestinho de fruta, assim como eu!

Tocam os sinos e ponho-me na fila. Meia desorientada sem saber o que vai acontecer... mas mantenho-me firme e entalada entre os peregrinos.

Uma hora e meia passa e não andei nem um passo. Escorre suor das minhas costas a uma velocidade superior a que a minha camisa aguentará. Mas não desisto. Há mulheres de muita idade de branco e de cabelo branco, muito bonitas, e mulheres com filhos pequenos. Entro numa espécie de letargia para não pensar que estou aqui, para não cair ou para não desistir... ou para simplesmente não pensar.

De repente e tudo muito rápido. A fila acorda e mexe-se e entro no minúsculo templo onde sou surpreendida por uma imagem de Skanda, o Deus hindu irmão de Ganesh. Entrego o meu cesto que recebo de volta... sem contar... benzem-me e estendo as mãos para beber a agua que vertem.
Quando saio, como a fruta e ofereço-a a quem lá não esteve.

Aqui é Kataragama, onde se rezam religiões.

Unawatuna



Numa viagem imensa de tuctuc, onde ate consegui adormecer, vou atravessando os campos e passando pelos imensos altares com Budas excessivamente coloridos dispersos por aí.
Como milho cozido e mangas e tomates que se vendem em barracas dispersas por nenhures.
Compro o meu peso ao homem sentado junto a uma balança de casa de banho e passo por outro que escreveu "car wash" numa pedra junto a uma cascata.
Tentei comprar Gotu Kola que se segundo ouvi dizer abunda por ai. Varias tentativas levaram-me sempre a coca cola. Mas acabo por encontra-lo na banca de uma senhora sorridente que vende todo o tipo de salsas, coentros e derivados. Não me parece possível levar um ramo de ervas para casa...

Em Unawatuna fico numa casa colonial holandesa muito bonita e bem preservada, a escassos metros da praia que um dia viu um tsunami.
Os fins de tarde são lindos. O sol põe-se por trás de um enorme Dagoba branco que desponta da floresta num dos extremos da baía.
Um bando de miúdas com uniformes da escola imaculadamente brancos saltita na agua... devem ter os seus 14 anos mas já ãao usam as enormes tranças até à cintura das meninas das montanhas.

Tive que aprender a conviver em harmonia com os mosquitos e com uma população enorme de cães vadios. A parte desse pequeno pormenor, a água é quente e passo os dias a beber sumos de fruta. É um outra vez nada acontece.

Aprendi a fazer pó de caril e leite de coco, mas é difícil explicar que do planeta de onde venho não há cocos.

Sri Lanka



Embora haja uma diversidade de coisas que se tornaram habituais ao viajar pela Ásia, devia continua a referir a sua existência.

Como os homens andarem vestidos de sarong ou como nos cruzamos com um monge numa rua qualquer.
As mulheres quase todas de lindíssimos sarees que parecem sempre impecáveis e a roupa a secar numa casa de qualquer monge, absolutamente toda cor de laranja.

Os uniformes da escola e os miúdos que brincam na rua e como os irmãos mais velhos aparentam um tão grande sentido de responsabilidade.

A existência de Mirinda, só ultrapassada no seu sabor a corantes pela Inka Kola peruana. Ainda assim bebe-se chá a jorros e o clima é demasiado imprevisível.

Borda-se de maneira diferente e pesca-se de outra forma.
Reza-se muito e tudo se benze.

Nos mercados os legumes e a frutas são meticulosamente expostos e tem o mesmo abanar simpático de cabeça dos indianos.
Em vez de pássaros nos fios de electricidade há esquilos e os corvos substituem os pombos.
Macacos a mais e um ou outro elefante.

No comboio anda-se com a cabeça de fora... acho que já disse isto, mas vale a pena repetir-me.

Bandaranaike International Airport



Pago 130 rupias para entrar no aeroporto depois de passar por duas barricadas de militares (com os uniformes mais bonitos que já tenho visto, mas isto são olhos de mulher que não sabe o que é guerra).

Sento-me e o tempo passa devagar e passam hospedeiras da SriLankan Airlines trajadas com lindíssimos sarees azuis turquesa de margens prateadas… apressadas.
O teu avião chegou mas não acontece nada.

Chegam os primeiros estrangeiros. Casais com 4 malas enormes. Ou famílias com muito mais que imensas malas. Dirigem-se todos para o matagal de homens com cartazes na mão. Um dia ainda há-de haver alguém com o meu nome à minha espera!

E num instante começam a chegar os singaleses com frigoríficos LG. Juro que vi pelo menos 3 frigoríficos e 5 televisões.
Meu Deus… eu sempre preocupada com o excesso de peso.
Sou a única estrangeira à espera mas bem mais ansiosa que os restantes. Aliás… até acho que muitos desses tais restantes vieram só para ver a megaTV do aeroporto.

Estou de pensamentos flutuantes a ver quem passa e vejo-te a ti. Não trazes quatro malas nem frigoríficos mas vens com um sorriso lindo.

O Templo do Dente - Kandy



Dizem que um dente de Buda foi retirado durante a sua cremação e trazido nos cabelos de uma princesa para o sri lanka.

É o templo budista mais importante e acho que eles acreditam mesmo que o dente está lá. Mais uma vez famílias de peregrinos vestidos de branco e um ou outro elefante nos jardins, dos quais só se pode dizer que são um encanto. Eu esforço-me… para acreditar no tal de dente. Faço a minha oferenda a Buda, com ou sem dente, mas sempre convicta de que é um momento importante para mim e para os meus, por quem rezo.

Mas a história do dente (e a palavra repete-se) perseguiu-me o resto da viagem. Perguntei-te várias vezes se tu acreditavas, mas só me sorriste.
Nem eu sei dos meus dentes de leite que durante anos guardei numa caixinha de jóias forrada de veludo. E nem sei porque me esforço tanto para saber a tal de verdade.

Sigiriya



Dizem também que um rei com 500 rainhas construiu aqui o seu palácio. É um rochedo enorme numa planície também enorme. O palácio é lá em cima… a 1500 degraus de onde eu estou.

Quando se está na base de tal rochedo grandioso e lá em cima há alguma coisa… sobe-se… mesmo que isso pareça disparatado dado o calor estrondoso.

Quase no topo ainda se vêm as enormes patas de um leão esculpido na pedra e mais uma escadaria de aspecto demasiado artesanal para me fazer sentir segura… e o tal de palácio… ou o que resta dele.

Junto à piscina… sim, o rei tinha uma piscina… uns monges budistas fazem poses entre si para se fotografar. Foram os únicos para além de mim a trazer o guarda-chuva como sombrinha. Mas o deles era preto e o meu cor-de-rosa.

Pollonaruwa



Em tempos capital e com os budas esculpidos em pedra mais bonitos do país. Agora os habitantes são macacos… esses seres por quem não nutro qualquer simpatia.

Tiram-se os sapatos no que resta dos templos e o chão de pedra queima. A miudagem corre por aí quando uma mãe não os agarra para talvez imitar os macacos e lhes catar os piolhos.

Dambulla



O templo mais piroso que vi em tempos da minha vida. Um Buda enorme dourado rodeado de uma parafrenália colorida como se fosse a entrada da disneylandia. Mas são mais umas centenas de degraus até às grutas do templo antigo e mais umas centenas de macacos.
Os pedintes e deficientes estende-se degraus acima. Assim como na Índia, os singaleses são generosos com esta gente que mal se mexe para pedir.

As tais grutas estão repletas de estátuas de Buda. É um misto de turismo e religião. Num canto um casal europeu ouve atentamente todos os pormenores de absolutamente todos os Budas… e são muitos... e junto à entrada um grupo de mulheres reza ajoelhada. Eu obviamente era só uma observadora… mais de gentes que de estátuas.

Dalmanuta - Bentota



Que dizer de quatro dias num hotel ayurvedico junto ao rio Bentota.
Flores na nossa cama todos os dias, Abyangam e Sirodhara todos os dias, uma piscina deserta todos os dias… e muito amor.
Pássaros e passarinhos, esquilos e lagartos barrigudos de metro e meio, um rio onde todos dizem ter visto um crocodilo e nós… e muito amor.

Perto de uma aldeia muçulmana, onde os homens vestem pijamas brancos e usam chapéus de renda também branca e as mulheres estão absolutamente e totalmente vestidas de preto, há um hotel chamado Dalmanuta.

Colombo



No chamado “terceiro mundo” há uma minoria de capitais que valem a pena e Colombo não é uma delas.
A construção foi desenfreada, misturada com edifícios coloniais decadentes e abandonados, que só com muita imaginação nos relembram outros tempos. E seriam melhores esses tempos? Ou só simplesmente bonitos e perfeitos para alguns?

Os templos hindus estão camuflados pela sujidade das ruas que vedem ouro e os mercados cheiram horrorosamente mal e... pedem-me... porque sou branca.
Os corvos tentam arrastar da estrada uma enorme ratazana despedaçada pelos “tuctucs” o que espelha a generalidade.

As cidades são a tristeza dos pobres, sempre serão. E são duras de sobrevivência.

Paragens de barricadas de militares junto à zona nobre… são sacos de areia e miúdos armados…

Refugiamo-nos no Galle Face hotel, tão bonito por fora como velho por dentro.
Ainda assim toda esta grandiosidade tem torres de vigia com metralhadoras a poucos metros… que se vêm da maravilhosa piscina que dá para o mar.

As eleições foram há duas semanas e dizem que a guerra acabou… mas o Norte é interdito. Constam mais de 250.000 refugiados… escondidos do Mundo.

Não sei quem são os bons, nem quem são os maus, pois as atitudes têm sido ao longo dos anos desastrosas de ambas partes. “Governo” vs “Tigres Tamil”.
Nem sei porque lutam… por terra... religião... costumes… o habitual, que nunca será compreensível para quem está tão distante e só vê guerras incompreensíveis na televisão… sempre tão distantes.

Clarões de trovoada iluminam o mar… e pergunto-me se não devia evitar tais países, que escondem do Mundo as suas atrocidades.

Estou a crescer, abandono egoísmo, ganho sabedoria e alegria, mas também medos que não existem em criança, ganho amor e acrescento sentimentos.
Viajar fez-me imensamente crescer.