Saturday, May 30, 2009

INTRODUÇÃO 7



Um evento desses que acontecem no Mundo desviou-nos para Puerto Rico... e assim foi.

San Juan


San Juan não tem mais que dois andares e as ruas são estreitas e de paralelos. Janelas brancas coloniais e casas pintadas (nunca desbotadas) de lilás e verde água a laranja e azul forte, numa misturada de cores que por um acaso de sorte se vê harmoniosa.

Depois são os contrastes… varandas de ferro antigas e serenas e uma imensidão de carros de vidro escurecido; os porto riquenhos de andar relaxado, sandálias prateadas que estão na moda assim como os colares e pulseiras de ouro dos homens; e os americanos “extra-large”… não passam desapercebidos (não que o quisessem…) em grupos de guarda-chuva do “El Convento” ou ciclistas vestidos de igual e equipados contra uma derrocada que nunca vai acontecer.
No meio destas gentes destacam-se aos observadores mais cuidados (ou simplesmente àqueles que como eu não têm o que fazer) os bêbados residentes… que por sinal abundam logo de manhã cedo, para adormecerem caídos nos bancos das pracinhas por volta do meio dia. Ou não fosse capital de uma Ilha pequena, onde os podres da sociedade são os mesmos mas mais notórios pela pequenez do terreno.
“Tours” pelas casas de charutos e de rum que nem sequer são de Porto Rico mas de um país vizinho que “empresta” os seus dotes para ajudar ao turismo. Ou cheios de explicações detalhadas de invasões e não invasões cuja história é bem menor que a grandiosidade da natureza desta Ilha… Ou o senhor de quem me afasto para poder passar com o seu carrinho de gelados cujas letras e desenhos foram comidos pelo sol mas que se reflectem no Porsche descapotável estacionado.

Os passeios são estreitos e quase conseguem ser calmos dois quarteirões fora de rota, até porque o calor nos esmaga para aproveitar a sombra de cada parapeito… e assim… sobra espaço…
Caminhando para norte passa-se pela Igreja… onde mesmo à porta se vendem santos padroeiros de todos os países das Caraíbas. Senhoras que gostam de conversar e essencialmente mulheres que arrastam as suas crianças para rezar.
Mais a norte ainda e para lá da muralha tem-se a visão magnífica de um cemitério católico com as suas estatuetas e cruzes brancas, cuja margem é o oceano e o branco da espuma das ondas. Não imagino melhor local para se ser sepultado.

Se apanhasse uma folga do turismo, provavelmente adoraria San Juan.

Callejón de La Capilla


Num dos extremos da rua, um padre de vestes castanhas, desadequadas ao clima, fecha uma enorme porta também castanha… e fica a cruz branca que dá o nome a esta ruela.
Do lado oposto, um céu cinzento e pesado atravessado por uma luminosidade fora do vulgar.
Aí estaciona o carrinho branco de tampas vermelhas: “Helados los Muchachos”… mas não por muito tempo… o suficiente para um golo de rum.
Sente-se uma aragem que me seca o suor. São 5pm e a salsa ecoa na estreiteza deste beco.
Duas mesas de metal foleiro e várias cadeiras, cada um por si.
Velhos e uma única mulher de cabelo vermelho e camisa cheia de folhos da moda da sua juventude, agarrada a um saco de plástico.
Passa um cego e enchem-lhe o copo de moedas, os velhos. Parou para ouvir a música e quase só se ouve o pau que o guia a bater o ritmo nos paralelos.
O vento traz o cheiro a carne grelhada e outro rapaz… um mulato quase negro de sapatilhas americanas e imensas rastas; os seus 50 anos e uma boina de renda branca. Cumprimenta os velhos e segue.
Os paralelos não são de cimento mas tipo lousa da escola de quando era muito pequenina e que já não deve nem existir. De um negro que muda de cor com os reflexos do céu e que escorrega com a chuva. A esta hora são de um azul petróleo com as manchas que o petróleo faz na água.
Aproxima-se o som das rodas de um carrinho de bebé e afasta-se o som da saca de supermado com rodas do pobre que arrasta todos os seus bens.
Todos os miseráveis e não miseráveis passam por aqui.
Os bichos mordem-me os pés e o meu cérebro pára. Não quer conversa.
Lusco fusco e Reggaton, a música que nunca sobrevivará fora das Caraíbas.
Mais sandálias prateadas.

Rincón



É tudo o que ouço há horas. E para além do movimento das ondas… só o sobrevoar de um casal de pelicanos.
Atravesso a meia dúzia de casas que se segue. Só sei que existo porque a água me acorda os tornozelos. Não há vivalma. Apenas vestígios de redes que baloiçam como que abandonadas.
As casas aqui… esta breve dezena… são de tons pálidos, que o mar ainda os fez mais pálidos.
As mais antigas têm a varanda fechada em grades de ferro branco… em tempos, agora castanho ferrugem.

Muito mais tarde… o que talvez fosse um fim de tarde… olho o mar e vejo-me num espelho, sem medo da solidão ou de mim própria.
As uvas suam e o tempo passa com a velocidade certa.
Então fotografo-me em espelhos… como que a dizer: “estou aqui”.

Um dia perguntaram-me, frente à ampla visão de um rio serpenteado em Angola, o Kwamza, se eu ainda era capaz de me surpreender com as paisagens … com outros mundos. Eu própria mo perguntei no meu primeiro dia em Rangoon, aterrorizada pela solidão… Tenho a certeza que sim. A mais pequena flor, as pessoas, sim as pessoas, na sua atitude mais simples e natural, o vento e a humidade e o quente e o chão que me suja os pés. Sinto-os vividos, aos meus pés… absorveram mais pedaços de terra do que eu própria.

O que dizer de Rincón se nem em Rincón estou. Num bocado de costa entre aqui e ali, numa dessas ruas tortuosas que parecem ir dar a lado nenhum. É aí que estou. Nesse pedaço de baía, habitado por fantasmas de dez casas. Onde o mar me se reflecte ou se me reflecte, num horizonte sempre estável. Onde a densa vegetação se vê numa luta constante com o tal mar… onde a areia já há muito perdeu o seu lugar.

O ar densifica-se de insectos e o mar e o céu transformam-se num só. Aterram insectos no meu vestido branco mas já nem os mato… ou seria uma mortandade.

Jayuya



Perco-me aí umas dez vezes na Ruta Panorâmica. Perco-me ao ponto de me meter em caminhos que não são estradas. Quando subo estico-me qual girafa para imaginar a descida. Não há mapa possível quando as ruas são números que nem sequer seguem uma sequência lógica. E uma hora transforma-se em seis.
Há montanhas e montanhas e milhares de curvas que fazem a ilha parecer enorme. Tropical, tropical e cheia de galinhas. Galinhas e caminhos inimagináveis.
Quando encontro alguém ouço um espanhol musical cheio de gíria, lento e sorridente, em que um terço das letras se desvanece em expressões. Alguém que não sabe os números das ruas das montanhas, porque geralmente tem medo do mar e se algum dia o viu… foi apenas uma vez para não morrer ignorante.
Passo por cadáveres de carros, dos quais tudo o que era reutilizável foi surripiado e assim fica apenas o esqueleto que ninguém quis recolher. Encontram-se aqui e ali abandonados nas bermas. Não raramente passam carros vermelhos de aparência desportiva, com reggaton aos gritos… obviamente suspiro após uma não colisão.

Chego a Hacienda Gripinas. Sou a única hóspede numa varanda de madeira desta casa colonial. Balanço-me na cadeira de baloiço enterrada no acento de palhinha entrelaçada e converso com lagartos. A estridência da natureza quase não me deixa ouvir-te.

Porto Rico parte dois


Depois tu chegaste!