Saturday, April 26, 2008
JAPAN
Acordo às 8am no hospital, naquele sítio onde por segundos nunca sei onde estou.
Chove. As antenas do meu carro mostram-me intermitentemente o caminho para casa. E é à chuva que eu o Patch nos despedimos formalmente.
Olho para tudo com atenção… como se fosse muito tempo para fora…
Não é muito tempo, mas é para longe, um tão longe onde tanto acontece que faz parecer muito tempo. Um tão longe que acrescenta sempre mais. Saudades da sensação de felicidade permanente...quase euforia… tão perto agora…
Um país civilizado, não é preciso milhares de remédios, nem toalha, nem lanterna, não é preciso milhares de coisas habituais.
Tóquio, uma enorme cidade de 23 distritos, teclados com acentos de certeza, milhares de pessoas e eu. Olhos arregalados mais uma vez, mais uma vez os maiores que qualquer um encontraria na Ásia.
Um sítio para ficar… onde fica o centro… Neste momento nada interessa. A partir daqui tudo surge no momento certo. E acreditem que surge sempre.
Poucos meses ou mesmo semanas, lembrei-me que algures 35 estavam perto.
O meu lugar preferido em frente à Ana com o seu mapa virado para mim. O meu dedito no lado direito na grande mãe Ásia a descortinar um destino. Várias tentativas e “porque não vai para o Japão?”. País de eleição durante tanto tempo, deixado de lado para quando fosse grande… já sou grande, faço 35 anos dia 26 de Abril, já posso ir.
TOKYO
Cidade imensa, néons e ecrãs gigantescos.
Japonesas lindas que não sabem andar de tacões altos. Punks e Yuppies. Gente de máscara. Roupas loucas. Mulheres cheias de estilo. Penteados loucos. Gentes do futuro. Cidade do futuro.
Não há pobres.
Shibuya crossing é um deleite de gentes. Sento-me enquanto milhares ou muito mais que milhares de pessoas conseguem atravessar sem se atropelar à luz verde.
Noites cheias de gente, de luzes. E as salas particulares de karaoke… não é possível imaginar não ir.
Metros e comboios que funcionam exemplarmente… dormem muito os japoneses, ou agarram-se aos telemóveis que nunca tocam, cheios de coisas penduradas, como o meu crocodilo.
Bonecos Manga como uma febre em edifícios de vários andares cheios de revistas da banda desenhada mais estranha e bonita de sempre.
E as cerejeiras em flor em jardins silenciosos cujo horizonte se preenche de arranha-céus.
São eles próprios. Não há qualquer vestígio de adoração por outros povos. Um Mundo à parte.
Grupos de homens de fato escuro cumprimentam-se acenando a cabeça ininterruptamente até ao cansaço dos meus olhos.
E corvos, imensos corvos, negros enormes, por toda a cidade.
Ruas de uma limpeza imaculada. Proibido fumar.
Tantos anos luz á frente de toda a restante Ásia que nem parece possível.
Delicadeza, simpatia e paciência, sem qualquer submissão.
Apaixonada pelo Japão, tão rápido.
KYOTO
Shinkanssen, o comboio bala para Kyoto.
Em Gion vejo a primeira gueixa, fascinada, eu.
Distinguem-se pela maquilhagem branca que termina primorosamente desenhada no pescoço alongado pelo descair do Kimono. Esplendorosos penteados e sumptuosos Obis apertados atrás. Poucas guetas ainda são de madeira e o seu som está em extinção nas ruelas de Gion.
Anoitece e duas Maiko desaparecem a uma velocidade estonteante no bairro das casas de telhado negro. As lanternas vermelhas acendem-se e as janelas são intransponíveis aos olhares indiscretos.
Restaurantes de charme em Pontocho Dori.
Um bar, literalmente um bar, escuro, minúsculo, inimaginavelmente minúsculo.
Os primeiros e provavemente únicos japoneses que arriscam conversar connosco.
“Hotspring Mountain Peace Eternity”, “North Exit Hope Mountain” e “Stone Black Fight Toleration”. O meu nome? Não tem significado, respondo meia desiludida.
Uma noite deliciosa de cinco pessoas que dificilmente comunicam mas que se esforçam e se riem felizes quando se entendem.
E templos, templos e templos. A estranheza do primeiro jardim Zen. Uma árvore repleta de papéis, um ritual estranho e Yon Ban que não sei o que significa. Escrevo a mensagem e amarro-a delicadamente a um ramo sem a rasgar.
De costas para o enorme Buda de pedra sento-me já demasiado cansada. Anoitece em Gion. Hora das gueixas. O sol põe-se e transforma os telhados em prata. Uma espécie de despedida de um mundo mágico. Fecho os olhos e sonho com Kyoto de outros tempos.
KOYA SAN
Comboios e comboios e de repente as montanhas.
Meu deus, como estava a precisar de respirar montanhas!
Koya San entre montanhas de pinheiros, cerejeiras em flor cuja beleza envolve qualquer um, uma espécie de bonsais grandes cuja vegetação foi delicadamente recortada em grandes esferas, árvores que de tão antigas que lhes põem uma espécie de muletas para lhes segurar os ramos. Flores de primavera que sorriem aos peregrinos.
À direita está o sinal dos seis círculos, o templo Ekoin e a sumptuosa porta leva-nos a um Mundo mágico.
Tiramos os sapatos e um monge vestido de azul índigo leva-nos aos nossos aposentos.
Amanhece quando o enorme sino toca. Abro devagarinho os dois fusumas. Neva. Nevam pétalas de flor de cerejeira por entre as minhas mãos nas portas de papel. Nevam como neve e é tão bonito. Tão bonito que me emociona.
Apresso-me para os cânticos. No templo principal estão os monges, com meias brancas e vestes negras, cobertos de uma última túnica dourada. O ambiente é escuro, cheio de ornamentos dourados e um forte cheiro a incenso. Sento-me de pernas cruzadas tentando abstrair-me das dores desta posição estranha a que não me obrigam mas à qual me sinto obrigada. Fecho os olhos e sinto os cânticos atravessarem-me com uma energia que ficará para sempre.
O cemitério tem uma bruma mística e milhares de pedras com inscrições destes caracteres indecifráveis que imagino de lindos nomes cheios de significados profundos. Mais tarde soube que os Budas ornamentados de gorro são por alusão às crianças e vem-me à memória o pequenito Rafael.
Enorme o cemitério, por entre os pinheiros. Enorme o silêncio que se imagina durante a noite como uma valsa de almas.
É num café de sofás vermelhos e negros que conseguimos comer. Todos os dias que lá entramos olham-nos espantados e sorriem. Ninguém fica tanto tempo. Consigo finalmente responder uma palavra em japonês o que gera uma alegria tão grande a mim como aos donos, ou talvez maior a mim, pois lembro-me de me agarrar ao César feliz por ter conseguido tal feito.
Templos e templos de madeira escura, perfeitos, o jardim Zen de Ekoin onde tantas vezes nos sentamos ao fim do dia, um jardim de pedrinhas cinzentas, desenhado de uma forma tão perfeita que não se imagina como é conseguido. A minha vontade de lhe atirar uma pedrita para lhe quebrar a perfeição é arruinada ao saber que é o símbolo em sânscrito de Amithaba, o meu Buda preferido que existe em minha casa desde que me lembro de lá morar.
Ao fim da tarde os banhos de água a ferver. Os pensamentos esvaem-se na névoa de calor que me relaxa profundamente.
Na última noite ensaio-me nas guetas, já que vinha de kimono. O frio das montanhas estava muito longe de mim própria, tentava despertar-me à realidade daquele presente tão mágico e perfeito.
PS para quem perguntou o significado:
Shinkassen: o comboio rápido japonês.
Gion: bairro das gueixas em kyoto.
Maiko: aprendiz de gueixa.
Guetas: sapatos de madeira tipo havaiana usados há séculos no Japão.
Obi: o cinto dos kimonos altamente sofisticados.
Lanterna: candeeiros de papel.
Fusuma: portas de madeira e papel.
Obrigado por me terem mandado os parabéns. Soube bem chegar e ver tantos emails. Do Japão fica uma doce recordação de gente delicada onde tudo parece perfeito.