Saturday, April 26, 2008

KOYA SAN


Comboios e comboios e de repente as montanhas.
Meu deus, como estava a precisar de respirar montanhas!

Koya San entre montanhas de pinheiros, cerejeiras em flor cuja beleza envolve qualquer um, uma espécie de bonsais grandes cuja vegetação foi delicadamente recortada em grandes esferas, árvores que de tão antigas que lhes põem uma espécie de muletas para lhes segurar os ramos. Flores de primavera que sorriem aos peregrinos.

À direita está o sinal dos seis círculos, o templo Ekoin e a sumptuosa porta leva-nos a um Mundo mágico.
Tiramos os sapatos e um monge vestido de azul índigo leva-nos aos nossos aposentos.

Amanhece quando o enorme sino toca. Abro devagarinho os dois fusumas. Neva. Nevam pétalas de flor de cerejeira por entre as minhas mãos nas portas de papel. Nevam como neve e é tão bonito. Tão bonito que me emociona.

Apresso-me para os cânticos. No templo principal estão os monges, com meias brancas e vestes negras, cobertos de uma última túnica dourada. O ambiente é escuro, cheio de ornamentos dourados e um forte cheiro a incenso. Sento-me de pernas cruzadas tentando abstrair-me das dores desta posição estranha a que não me obrigam mas à qual me sinto obrigada. Fecho os olhos e sinto os cânticos atravessarem-me com uma energia que ficará para sempre.

O cemitério tem uma bruma mística e milhares de pedras com inscrições destes caracteres indecifráveis que imagino de lindos nomes cheios de significados profundos. Mais tarde soube que os Budas ornamentados de gorro são por alusão às crianças e vem-me à memória o pequenito Rafael.
Enorme o cemitério, por entre os pinheiros. Enorme o silêncio que se imagina durante a noite como uma valsa de almas.

É num café de sofás vermelhos e negros que conseguimos comer. Todos os dias que lá entramos olham-nos espantados e sorriem. Ninguém fica tanto tempo. Consigo finalmente responder uma palavra em japonês o que gera uma alegria tão grande a mim como aos donos, ou talvez maior a mim, pois lembro-me de me agarrar ao César feliz por ter conseguido tal feito.

Templos e templos de madeira escura, perfeitos, o jardim Zen de Ekoin onde tantas vezes nos sentamos ao fim do dia, um jardim de pedrinhas cinzentas, desenhado de uma forma tão perfeita que não se imagina como é conseguido. A minha vontade de lhe atirar uma pedrita para lhe quebrar a perfeição é arruinada ao saber que é o símbolo em sânscrito de Amithaba, o meu Buda preferido que existe em minha casa desde que me lembro de lá morar.

Ao fim da tarde os banhos de água a ferver. Os pensamentos esvaem-se na névoa de calor que me relaxa profundamente.

Na última noite ensaio-me nas guetas, já que vinha de kimono. O frio das montanhas estava muito longe de mim própria, tentava despertar-me à realidade daquele presente tão mágico e perfeito.

PS para quem perguntou o significado:
Shinkassen: o comboio rápido japonês.
Gion: bairro das gueixas em kyoto.
Maiko: aprendiz de gueixa.
Guetas: sapatos de madeira tipo havaiana usados há séculos no Japão.
Obi: o cinto dos kimonos altamente sofisticados.
Lanterna: candeeiros de papel.
Fusuma: portas de madeira e papel.


Obrigado por me terem mandado os parabéns. Soube bem chegar e ver tantos emails. Do Japão fica uma doce recordação de gente delicada onde tudo parece perfeito.

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